“Quando a gente fala de Luiza, a gente fala de luta, fala de força!”, afirmou Cleide Pinto, a recém eleita coordenadora geral da FENATRAD, na abertura do 13º Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas, realizado entre 19 e 24 de agosto em Luziânia, Goiás. A lembrança da histórica liderança, falecida em 2025, marcou o encontro e deu o tom das atividades que reuniram cerca de 200 trabalhadoras domésticas de todas as regiões do país. A abertura do congresso prestou homenagem a Luiza Batista e destacou sua importância na história da federação. Até seus últimos dias, ela esteve empenhada em garantir a continuidade dos trabalhos da entidade, deixando como legado um exemplo de resistência e compromisso com a luta da categoria.
A mesa de abertura trouxe o tema “Políticas Públicas para as Trabalhadoras Domésticas” e contou com participações que representam a necessidade de diálogo permanente entre Estado e sociedade civil. Rosane da Silva, do Ministério das Mulheres, Laís Abramo, do Ministério do Desenvolvimento Social, a ministra do TST Delaíde Arantes e Denise Pacheco, da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, ressaltaram a responsabilidade direta do poder público na garantia de dignidade e reparação histórica para a categoria. O momento reuniu diferentes vozes em torno da urgência de leis e políticas específicas, capazes de enfrentar as desigualdades que ainda marcam o trabalho doméstico no Brasil.
O segundo dia do nosso Congresso foi marcado por um ato de grande impacto político em Brasília. Cerca de 200 trabalhadoras domésticas ocuparam a Câmara dos Deputados, em um gesto simbólico que reafirmou a força da organização e a legitimidade da presença da categoria na “casa do povo”. Para Creuza Maria de Oliveira, ex-coordenadora da FENATRAD, a ação foi histórica. “Conseguimos fazer várias incidências dentro do Congresso. Fomos à Taquigrafia, participamos da Comissão de Mulheres, onde recebemos uma homenagem, e estivemos na Tribuna das Mulheres. E por último, descemos a rampa do Congresso Nacional. Esse momento foi simbólico para nós, porque reafirmou como esse espaço também é nosso”, destacou. A passagem por Brasília se tornou ainda mais significativa com a aprovação, na Comissão da Mulher da Câmara Federal, do PL 3351/2024, conhecido como Lei Sônia Maria de Jesus, que impede que pessoas resgatadas de trabalho escravo sejam obrigadas a retornar aos locais de violência. “Um dia histórico para as trabalhadoras domésticas do Brasil”, resumiu Creuza, lembrando também a presença fundamental de parlamentares como Benedita da Silva, Erika Hilton e Carla Ayres, que se somaram ao grito coletivo de “Sônia Livre!”.
Outro momento central do encontro foi a realização da Assembleia Geral da FENATRAD, que aprovou importantes alterações no estatuto. Entre as mudanças, destaca-se a ampliação do tempo de mandato da diretoria de quatro para cinco anos e a criação de novas secretarias estratégicas, como Saúde, Comunicação e Assuntos Jurídicos. Para Francisco Xavier de Santana, reeleito para a direção da FENATRAD, o desafio de organizar o Congresso foi também uma lição de resistência coletiva. “Começa pela parte financeira, depois pela parte de organizar de fato o congresso. Desde o final de 2024 não pensamos em outra coisa a não ser planejar. No fim, viemos para Luziânia e acho que foi a melhor escolha. Recebemos mais de 200 pessoas entre delegadas, convidadas e observadoras. Mais uma vez nos reinventamos para realizar o Congresso e trazer nossas companheiras dos 18 sindicatos e associações. Saímos fortalecidas, com espírito de família e união, que é a chave para avançar na equiparação dos direitos da nossa categoria.”
O quarto dia de atividades foi dedicado à análise de conjuntura, conduzida por Rivane Arantes, do SOS Corpo, e Tereza Ruas, do INESC. A reflexão situou a luta das trabalhadoras domésticas dentro do contexto político atual, marcado por desinformação, ataques a direitos e novas formas de precarização. “Num contexto de muita mentira virtual, fazer análise de conjuntura é fundamental para que os movimentos possam ver a realidade como ela é, pensar com sua própria cabeça e tomar decisões conjuntas. Esse momento ajuda a organizar forças, identificar alianças e reconhecer o tamanho dos inimigos”, afirmou Rivane.
Na parte da tarde, as delegadas se dividiram em onze grupos de trabalho que aprofundaram debates essenciais para a vida da categoria. Foram discutidos temas como trabalho decente, combate à violência, igualdade racial e de gênero, saúde no trabalho e moradia digna. O resultado desse processo foi a formulação de um plano de luta nacional que orientará a federação durante os próximos cinco anos. Para Isabel Castro, dirigente sindical do Maranhão, o Congresso cumpriu o objetivo de valorizar a categoria e dar visibilidade às suas demandas. “Apesar das leis que já existem, nossos direitos ainda não estão sendo respeitados. O Congresso nos dá força para mostrar à sociedade, sobretudo aos empregadores, que precisamos que esses direitos sejam efetivados. As propostas que saem daqui são fundamentais para guiar nossa luta e cobrar mudanças.”
O encontro também reforçou seu caráter de espaço de formação. Durante os dias de atividades, aconteceu o terceiro módulo do Programa Trabalho Doméstico Cidadão (TDC), voltado à capacitação de novas lideranças. Para Chirlene dos Santos Brito, também reeleita para a diretoria, a experiência mostrou a força da auto-organização das trabalhadoras. “Esse congresso é um processo de formação e isso nos fortalece porque daqui saímos com um documento feito por nós, que expressa nossas demandas e anseios. Continuamos lutando pela equiparação de direitos, pela valorização e pelo reconhecimento do trabalho doméstico como parte essencial da economia e da vida das famílias.”
A etapa eleitoral consolidou as chapas únicas da FENATRAD e do Conselho Nacional dos Trabalhadores Domésticos do Brasil (CNTD) para o mandato 2025-2029. Eleita por aclamação, as diretorias reúnem lideranças de diferentes regiões do país. Para Francisco Xavier, os próximos anos trarão grandes desafios: “Estamos enfrentando uma onda de precarização do trabalho doméstico com aplicativos e cadastros de MEIs que negam nossos direitos históricos. Mas também estamos confiantes que, inspirados no legado de companheiras como Luiza Batista, vamos conseguir superar e avançar”.
O Congresso foi encerrado em clima de emoção e renovação. A memória de Luiza esteve presente em cada momento, lembrada como exemplo e inspiração. “Luiza vai ser lembrada pelas próximas gerações como a companheira que fez a diferença no trabalho doméstico. Em cada ação da FENATRAD daqui para frente vai ter um pouco do que ela fez e ensinou para nós”, afirmou Francisco Xavier. A nova diretoria assumiu o compromisso de transformar essa memória em ação, fortalecendo a organização nacional e garantindo que a voz das trabalhadoras domésticas siga ecoando em todos os espaços de decisão do país.