A história da saúde pública no Brasil é marcada por luta e resistência. Durante a ditadura, milhares de brasileiros morreram por falta de atendimento básico. Em 1970, a taxa oficial de mortalidade infantil era de 92,4 óbitos por mil nascidos vivos — 56 % a mais que em 1965 —, embora estimativas históricas sugerem que os números reais podem ter sido ainda mais altos (até 128 por mil) devido à subnotificação.
Foi graças à mobilização e à luta de mulheres organizadas, junto a médicos sanitaristas e estudantes de medicina, que nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS), uma das maiores conquistas democráticas da sociedade brasileira.
Mas, desde os anos 1990, o SUS vem sendo atacado pelo avanço do neoliberalismo. O discurso da “eficiência” abriu caminho para a criação das Organizações Sociais de Saúde (OSS) e fundações privadas que se apresentam como “sem fins lucrativos”, mas operam contratos bilionários pagos com dinheiro público. Em São Paulo, cerca de 80% da rede já está nas mãos das OSS, que drenam recursos públicos para a iniciativa privada e impõem condições de trabalho cada vez mais precárias aos profissionais.
A pandemia deixou tudo mais evidente: grande parte dos trabalhadores recebeu dos planos de saúde privados serviços de baixa qualidade, alguns com indicação de medicamentos sem eficácia comprovada e até a famigerada frase “óbito também é baixa”. Os sistemas privados tratam seus clientes a partir de uma lógica puramente financeira, onde a planilha de custos vale mais que a vida humana. Enquanto isso, foram os servidores da saúde que, em meio ao caos, lutaram para desenvolver uma vacina e atender a população, muitas vezes arriscando a própria vida.
E, cada vez mais, essa mesma lógica de mercado se reproduz nas OSS, onde a eficiência é medida por métricas e metas que não consideram o cuidado humano. O resultado é duplamente perverso: trabalhadores da saúde, sem valorização adequada, adoecendo sob pressão, e a população sendo prejudicada por um atendimento desumanizado e precarizado.
É nesse contexto que se insere a realidade de São Bernardo do Campo. A Fundação ABC, que administra boa parte da rede municipal, está sob investigação por suspeita de desvio de recursos em contratos com a prefeitura. A denúncia escancara aquilo que os trabalhadores e trabalhadoras da saúde já sentem na pele: o modelo terceirizado não garante eficiência, nem qualidade, nem transparência — apenas alimenta esquemas e corrói o fundo público.
Por isso, no dia 28 de agosto, o SindSaúde ABC realizou uma manifestação em São Bernardo do Campo. Desde a sua criação, o sindicato se consolidou como um dos pioneiros na organização por ramo, representando não apenas uma categoria isolada, mas diversas profissões da saúde que compartilham lutas e desafios. Os trabalhadores representados pelo sindicato incluem funcionários de: hospitais privados, hospitais filantrópicos e/ou fundações, clínicas médicas e odontológicas e casas de repouso.
Essa abrangência fortalece o poder de negociação coletiva em busca de melhores condições de trabalho e de atendimento à população. Importante esclarecer: o sindicato não representa os servidores públicos concursados da saúde, estes representados pelo Sindserv-SBC, mas sim os profissionais contratados via Fundação ABC e em outras frentes do ramo da saúde.
Se tivermos um sistema público de saúde de fato eficiente, os planos privados não terão como lucrar. É justamente por isso que a lógica é precarizar o SUS, desmontar o serviço público e abrir espaço para a mercantilização da vida. Temos que continuar resistindo, denunciando os desvios e defendendo o SUS 100% público, universal e estatal. Saúde não é mercadoria — é direito, é vida e só a luta justa e coletiva pode garantir sua preservação.