Notícia - BRICS apresenta alternativa à hegemonia dos EUA

Por Duncan McFarland

“O BRICS é o herdeiro do Movimento dos Não Alinhados”, declarou o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva na 17ª cúpula anual da aliança econômica, realizada nos dias 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro.

“Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque”, disse Lula. “Se a governança internacional não refletir a nova realidade multipolar do século 21, cabe ao BRICS ajudar a atualizá-la.”

Lula defendeu relações internacionais baseadas no respeito, na independência e na igualdade, durante o encontro do bloco econômico estabelecido por Brasil, Rússia, Índia e China em 2009. Posteriormente, a África do Sul se juntou, assim como Egito, Etiópia, Indonésia, Irã e Emirados Árabes Unidos. A Arábia Saudita solicitou adesão, e vários outros países participam como “parceiros”.

A cúpula deste ano ocorreu sob o tema “Fortalecendo a Cooperação Sul-Sul para uma Governança Mais Inclusiva e Sustentável”. Estiveram presentes os presidentes da Índia, África do Sul, Cuba, Bolívia, Uruguai e Indonésia, o mais novo Estado-membro. Também participaram diversos chanceleres e primeiros-ministros de diferentes países.

Vladimir Putin, da Rússia, participou por videoconferência, e a China enviou o primeiro-ministro Li Qiang. Parte da mídia ocidental especulou que a ausência do presidente Xi Jinping indicaria uma diminuição do compromisso da China; no entanto, a ampla cobertura positiva pela imprensa chinesa e a agenda ativa de Li demonstraram o contrário.

Maior em populacão

O grupo BRICS já é igual ou maior que o G7 em PIB e muito maior em população. O primeiro, segundo, quarto, sexto e sétimo países mais populosos do mundo fazem parte do BRICS, o que traz tanto enormes desafios quanto vastas possibilidades de desenvolvimento.

Também esteve presente o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que defendeu com urgência a reforma das instituições globais para torná-las mais inclusivas e democráticas. Participou ainda o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, que ajudou a lançar a Parceria do BRICS para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas.

A cúpula do Rio foi a primeira com a participação do novo grupo de países parceiros, admitidos a partir de janeiro. Entre eles estão os países socialistas Cuba e Vietnã, além de Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Tailândia, Uganda, Malásia, Nigéria e Uzbequistão. Os parceiros participam da maioria das atividades do BRICS, mas não têm direito a voto.

A categoria de parceiro foi criada para administrar a rápida expansão do grupo, já que há cerca de 30 outros países interessados em participar. O Sudeste Asiático agora está bem representado. Espera-se que muitos dos parceiros eventualmente se tornem membros plenos.

As tarifas unilaterais dos EUA, o protecionismo e o apoio à política de destruição de Israel na Palestina são muito impopulares no Sul Global e contribuem para o crescente apelo e expansão do BRICS.

Recentemente, Trump ameaçou impor tarifas adicionais aos que estiverem “alinhados” com as supostas atividades “antiamericanas” do BRICS. Ele anunciou, nesta semana, que o país anfitrião, o Brasil, será atingido com enormes tarifas de 50%. Na realidade, o BRICS é um fórum independente, não direcionado contra ninguém; qualquer país que adote o multilateralismo e a multipolaridade poderia, em princípio, aderir.

Definindo posições

Com o aumento das tensões e guerras no cenário internacional, o BRICS organizou um plenário intitulado “Paz e Segurança e Reforma da Governança Global”. O primeiro-ministro chinês Li Qiang discursou no plenário e conclamou o BRICS a trabalhar pela paz e tranquilidade mundial e a promover a resolução negociada de disputas no novo mundo multipolar.

A governança global, disse Li, deve se basear em “ampla consulta, contribuição conjunta e benefícios compartilhados”. Ele defendeu a reforma das instituições globais, como a ONU, para que possam responder de forma mais eficaz às crises.

A cúpula divulgou uma declaração condenando o bombardeio ao Irã e pedindo um cessar-fogo incondicional na Palestina, bem como a retirada completa de todas as tropas israelenses dos territórios ocupados e a libertação de todos os reféns. A declaração expressou preocupação com o aumento dos gastos militares no mundo e pediu negociações e paz na Ucrânia e no Sudão, além de um Oriente Médio livre de armas nucleares.

A reforma da governança global foi um tema importante, já que muitas das instituições dominadas pelos EUA e pelo Ocidente, criadas no fim da Segunda Guerra Mundial, já não correspondem às circunstâncias atuais. O BRICS enfatizou repetidamente a realidade de “um novo mundo multipolar baseado no multilateralismo e nos direitos iguais para todos os países”.

O BRICS apoia fortemente o direito internacional e os princípios democráticos fundamentais das Nações Unidas, mas defende reformas. Em particular, o Conselho de Segurança da ONU deve representar mais amplamente o Sul Global, por exemplo, adicionando Índia, Brasil e um país africano como membros permanentes.

O BRICS também renovou sua defesa por mudanças no Fundo Monetário Internacional (FMI) para dar mais poder de voto aos países em desenvolvimento e acabar com a tradição de liderança europeia. O sistema multilateral de comércio, com a OMC em seu centro, deve ser fortalecido, declararam os participantes. Tarifas unilaterais contradizem as regras da OMC e colocam em risco o comércio mundial e as cadeias de suprimento, enfatizaram. O BRICS também reafirmou sua oposição a sanções unilaterais e ilegais. Embora não tenha citado os EUA ao discutir tarifas ou sanções, a implicação foi clara.

Buscando alternativas

Fundado para promover o diálogo e a cooperação entre economias emergentes diante da crise econômica capitalista ocidental, 0 BRICS continua tendo como prioridade o estabelecimento de alternativas financeiras e comerciais livres do controle e da dominação dos EUA .

Uma proposta para uma moeda do BRICS ainda está em estudo; entretanto, o comércio direto com liquidação em moedas nacionais está aumentando.

Vladimir Putin, afirmou que 90% do comércio da Rússia com países do BRICS já é realizado em rublos ou outras moedas locais. A China, por sua vez, introduziu o novo sistema CIPS (Sistema de Pagamentos Interbancários Transfronteiriços), que é rápido, moderno, eficiente e de baixo custo. O CIPS já está sendo utilizado por 1.300 instituições financeiras em 110 países, especialmente nos países da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) e do CCG (Conselho de Cooperação do Golfo). O uso do mecanismo de liquidação transfronteiriça SWIFT, dominado pelo Ocidente, está diminuindo e agora cobre menos de 50% do comércio internacional.

O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS continua a crescer, informou a cúpula, com cerca de US$ 40 bilhões já investidos em projetos em países em desenvolvimento, como transporte, infraestrutura e energia verde.

A presidente do NBD, Dilma Rousseff, anunciou recentemente que Colômbia, Indonésia e Uzbequistão aderiram ao banco. Está sendo criada a Garantia Multilateral do BRICS como um programa de seguros para mitigar riscos percebidos e ampliar investimentos de fontes privadas e públicas. Juntamente com esse serviço, o Fundo de Reserva Estratégico do BRICS oferece liquidez a países endividados em momentos de crise, proporcionando uma alternativa aos resgates do FMI, que vêm acompanhados de imposições.

O BRICS também divulgou sua primeira declaração conjunta sobre meio ambiente e financiamento climático nesta cúpula, reconhecendo a urgência da mudança climática e conclamando os países desenvolvidos mais ricos a cumprir seus compromissos e contribuir com sua parte para o fundo, que ajudará os países em desenvolvimento na industrialização de energia limpa e nos custos de mitigação do aquecimento global.

O grupo reiterou seu compromisso com o Acordo de Paris sobre o Clima de 2015 e o apoio à realização da COP28 no Brasil no final de 2025 e da COP30 na Índia em 2028. (COP é a sigla para *Conference of Parties* — Conferência das Partes —, a conferência patrocinada pela ONU que reúne todos os países para avançar a ação e a justiça climática global.)

China e Emirados Árabes Unidos manifestaram interesse em apoiar o mecanismo “Florestas Tropicais para Sempre”, proposto pelo Brasil. Os ministros do Meio Ambiente dos Estados-membros emitiram uma declaração conjunta abordando a perda de biodiversidade, a desertificação e a degradação do solo. Acadêmicos chineses e latino-americanos organizaram uma conferência para intercâmbio sobre pesquisas de sustentabilidade, e foi realizado um simpósio internacional sobre futuros verdes.

O formato do BRICS facilita que pessoas de diferentes países dialoguem, façam apresentações educativas sobre temas atuais e elaborem novos projetos — todos esses exemplos fazem parte dessa dinâmica.

A inteligência artificial foi outro tema importante da conferência. Os membros do BRICS afirmaram reconhecer que a IA impulsionará mudanças tecnológicas significativas, mas manifestaram preocupação de que muitos países do Sul Global fiquem de fora, à medida que a revolução da IA se torna cada vez mais concentrada nos países ricos do Norte Global.

Alguns países do BRICS, no entanto, estão mais avançados em alta tecnologia, e há oportunidades para educação, treinamento e compartilhamento de experiências. A China, por exemplo, criou um “Centro de Pesquisa do BRICS para Novas Forças Produtivas de Qualidade” e oferece bolsas de estudo para estudantes de países em desenvolvimento. Ainda assim, segundo os Estados-membros, há necessidade de uma governança da IA global por parte da ONU ou de órgãos multilaterais.

A mudança global

Em conclusão, a transferência das forças produtivas globais do Ocidente / Norte Global para o Sul Global está levando à criação de novas instituições mais representativas e contrárias à hegemonia dos EUA. Com mais força econômica, a agenda de Bandung, do antigo Movimento dos Não Alinhados, pode finalmente ser concretizada — exatamente o ponto ressaltado por Lula em seu discurso.

Diversas novas organizações multilaterais foram estabelecidas e, assim como o BRICS, contribuem para esse processo. Por exemplo, Venezuela e Cuba iniciaram, em 2004, a ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), enquanto a União Africana foi recentemente admitida no G20, o grupo das principais economias mundiais.

A declaração final do BRICS destacou esses avanços e apontou “a importância do Sul Global como motor de mudanças positivas… promovendo uma ordem internacional mais justa, sustentável, inclusiva, representativa e estável, baseada no direito internacional.”

A energia do BRICS é palpável, pois ele se expandiu para além de seus objetivos econômicos originais, passando a incluir programas de intercâmbio científico e educacional. O bloco serve como plataforma para que países do Sul Global dialoguem e criem projetos de cooperação.

O imperialismo dos EUA está em declínio e atualmente trava um ataque especialmente feroz, tanto em casa quanto ao redor do mundo; as antigas colônias e semicolônias do mundo em desenvolvimento compartilham experiências comuns como vítimas do colonialismo e do imperialismo. O desejo comum por uma governança global mais equitativa é compartilhado por países como Índia e China, que possuem sistemas sociais muito diferentes, mas concordam em se opor à hegemonia.

O BRICS não é uma organização socialista e não se opõe ao capitalismo. Não possui um braço militar para defender seus membros, e o imperialismo e a corrupção continuam a ter impactos negativos significativos em partes do Sul Global. Mas as forças emergentes pela independência, igualdade e desenvolvimento estão mais fortes e em crescimento. Essas forças democráticas são aliadas naturais do socialismo.

O BRICS defende reformas democráticas positivas na governança global, com potencial para mudanças mais profundas. Deve ser apoiado junto com outras novas organizações do emergente “Sul Global + China”. O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa resumiu a essência da aliança ao descrever o BRICS como “uma força para a estabilidade em um mundo cada vez mais incerto e instável.”

Duncan McFarland visitou a China pela primeira vez em 1981, com a Associação de Amizade EUA-China, e foi coordenador do China Study Group (Boston) de 2008 a 2016.

Texto traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy


Fonte:  Rádio Peão Brasil - 12/08/2025

 

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