Notícia - Noventa anos depois, ainda precisamos de uma Frente Popular

Por C.J. Atkins

A palavra fascismo está hoje nos lábios de mais pessoas do que em qualquer outro momento desde os anos 1930. Naquela época, estava associada a nomes como Hitler, Mussolini e Franco. Hoje, é frequentemente vinculada a figuras como Trump, Orbán ou Le Pen. E, assim como antes, continuam os debates sobre a melhor forma de combatê-lo.

Este verão [verão nos EUA] marca o 90º aniversário da estratégia da “Frente Popular”, mais conhecida nos Estados Unidos como “Frente do Povo”.

Durante julho e agosto de 1935, comunistas do mundo inteiro se reuniram em Moscou para o 7º Congresso Mundial da Internacional Comunista (Comintern). De Roma a Berlim, de Madri a Paris, os fascistas já estavam no poder ou prestes a conquistá-lo.

Nos EUA, demagogos como Huey Long e o Padre Coughlin estavam construindo grandes bases de apoio, o terror aberto da Klan reinava no Sul, e a polícia e os capangas da classe capitalista atacavam trabalhadores e desempregados em lugares como o Condado de Harlan e Minneapolis.

O fascismo não era apenas um perigo no horizonte — era uma ameaça imediata à sobrevivência da democracia burguesa — que, por mais limitada que fosse, oferecia um espaço de abertura e organização para que a classe trabalhadora e o povo pudessem lutar. A urgência que inspirou os delegados ao congresso da Comintern há noventa anos ecoa em nosso tempo — e exige uma resposta semelhante.

Política de coalizão

A nova abordagem da Comintern incentivava os comunistas a se unirem a outras forças políticas e de classe — socialistas, liberais e progressistas de todos os tipos — para deter a maré fascista. Foi um movimento defensivo, sem dúvida, enraizado não em idealismos sectários, mas em uma necessidade histórica.

A mudança de estratégia, que representou uma ruptura clara com a retórica isolacionista e as posições que haviam caracterizado as táticas da esquerda no período anterior, não surgiu do nada. Carl Winter, ex-editor do People’s World e participante do congresso de 1935, relembrou o processo pelo qual o búlgaro antifascista e secretário-geral da Comintern, Georgi Dimitrov, que proferiu o discurso que inaugurou a Frente Popular, chegou a suas conclusões.

Em entrevista ao repórter Tom Foley em 1982, Winter lembrou que Dimitrov pediu a cada partido ao redor do mundo que enviasse relatórios sobre a situação nacional antes do congresso. “Dessa forma, ele pôde se basear nas experiências de cada partido e fundi-las todas no seu relatório ao congresso; um exemplo do seu estilo de trabalho coletivo”, disse Winter. “De nós [do Partido Comunista dos EUA]”, ele pediu documentos com detalhes sobre a questão da juventude, o desemprego, as lutas das mulheres e dos afro-americanos. Pediu documentos igualmente detalhados e específicos de todos os partidos.”

Winter disse que Dimitrov não se conteve e fez “críticas incisivas a certos erros que haviam sido cometidos” pelos comunistas, especialmente na Alemanha, onde uma unidade mais precoce com outras forças antifascistas talvez pudessem ter impedido Hitler e os nazistas de chegarem ao poder. “Mas as críticas eram compassivas, convidando a uma análise séria e à correção do que ele havia apontado.

“Dimitrov era um homem de grande modéstia e consciência da responsabilidade social. Ele sempre enfatizava a responsabilidade individual dos comunistas para com sua própria nação e com outros povos que lutavam contra o fascismo e a opressão.”

Winter disse que, antes do relatório de Dimitrov, havia “alguma relutância expressa, e a ideia foi levantada por alguns de que não era certo lutar apenas pela democracia, que isso era um objetivo burguês. Essas pessoas não entendiam que a própria burguesia, em vários países, havia abandonado a democracia. Isso exigiu muito esclarecimento”, disse Winter, “e foi exatamente isso que Dimitrov fez — e isso marcou a virada do movimento em direção à ‘frente unida contra o fascismo’. O relatório de Dimitrov mobilizou todo o movimento mundial.”

A Frente Popular teve, é claro, seus críticos “de esquerda”. Supostos puristas ideológicos a chamaram de traição à classe trabalhadora. Leon Trotsky disse que a política de coalizão “conteve a maré revolucionária” e representava “a submissão do proletariado à burguesia”. Para seus seguidores e outros sectários da esquerda infantilizada, apenas uma revolução imediata liderada pelos comunistas poderia deter o fascismo, aparentemente. Felizmente, poucos lhes deram ouvidos.

Em vez disso, nos anos 1930, em meio à maior crise econômica da história e com outra guerra mundial se aproximando, comunistas dos EUA, ativistas sindicais, liberais de esquerda, democratas do New Deal, figuras progressistas da cultura e outros deram vida a uma estratégia política que não apenas bloqueou o caminho do fascismo na América, mas também organizou sindicatos nas grandes indústrias e conquistou a Previdência Social e o seguro-desemprego nesse processo.

No centro da estratégia da Frente Popular que eles forjaram estava a ideia de uma política de coalizão ampla, e ela se formula em torno de algumas perguntas estratégicas-chave. Primeiro, pergunta qual objetivo, se alcançado, pode mudar a correlação de forças e abrir a possibilidade de avanços. Segundo, identifica quem são os principais adversários e os possíveis aliados na luta por esse objetivo. Isso significa determinar quem tem interesse próprio na conquista dessa meta e avaliar sua organização, consciência e capacidade de se engajar na luta.

Para a Frente Popular dos anos 1930, o objetivo era conter o fascismo e derrotar o setor anti-New Deal do capital e do Partido Republicano. Como ouviram os delegados de uma convenção do Partido Comunista em junho de 1936: “Há duas direções principais e opostas de possível desenvolvimento na vida política… Todos os partidos e grupos devem ser julgados pela sua relação com essas duas tendências políticas fundamentais.”

Para conquistar um programa de recuperação popular durante a Grande Depressão, isso significava alinhar todas as forças progressistas de um lado para enfrentar as forças da reação do outro.

Um documento do PC dos EUA de dezembro de 1936 reforçava: “Nosso país, como o resto do mundo capitalista, está ameaçado pela reação, pelo fascismo e pela guerra… Tudo o que organiza e ativa a classe trabalhadora e seus aliados é progresso rumo ao socialismo; da mesma forma, tudo o que enfraquece e desencoraja as forças da reação segue na mesma direção.”

Havia dois campos principais, e aqueles que se importavam em deter os piores ataques da direita reacionária e abrir caminho para a classe trabalhadora e a democracia precisavam responder à pergunta: de que lado você está?

O retorno do fascismo

Nove décadas depois, mais uma vez enfrentamos um perigo fascista, e as lições daquele período anterior são mais urgentes do que nunca.

O Partido Republicano — que foi completamente capturado e transformado em veículo para Donald Trump e seu movimento MAGA — abandonou até mesmo o disfarce de acreditar nas normas democráticas burguesas. Como grandes setores do Partido Democrata, há muito tempo serve como representante político dos interesses do grande capital, mas evoluiu para algo mais perigoso.

Parlamentares republicanos em nível federal, estadual, municipal e local, junto com seus aliados no universo dos think tanks da extrema direita, trabalham abertamente para suprimir o voto, manipular o judiciário, demonizar imigrantes, reverter direitos civis e transferir riqueza dos que menos têm para os que mais possuem. Os seguidores do MAGA que atuaram como tropas de choque em 6 de janeiro de 2021 — os Proud Boys, a versão moderna da Klan e outros — são o braço de rua desse ataque fascista à democracia.

Desde proibição de livros, leis de natalidade forçada, batidas massivas de deportação e ataques aos direitos trabalhistas até a glorificação aberta da violência política e o incentivo à guerra no exterior, o movimento MAGA ultrapassou o limiar do conservadorismo de direita para entrar nos estágios iniciais do fascismo. Trump está à frente desse movimento, mas por trás dele estão ideólogos que promovem teorias da conspiração para ganhar influência, e capitalistas (particularmente dos setores de tecnologia e finanças) que sonham com um poder irrestrito.

Essa é uma coalizão extremista — uma frente unida da direita — enraizada na supremacia branca, no nativismo, na reação patriarcal e na oligarquia corporativa. Para termos qualquer esperança de derrotá-la, ainda precisamos da Frente Popular.

A Frente Popular de hoje

A esquerda e o movimento da classe trabalhadora não conseguirão enfrentar o momento atual se se refugiarem em formas e slogans “de esquerda” confortáveis. Nem a Frente Popular dos anos 1930 nem a variante da “Coalizão de Todo o Povo” iniciada pelo PC dos EUA após a vitória de Ronald Reagan em 1980 foram concessões de princípio; foram o reconhecimento de que derrotar o fascismo exigia unidade entre a classe trabalhadora e as forças democráticas.

Ainda assim, há quem tente desviar a esquerda e os sindicatos da política de coalizão. Textos de opinião, vindos dos herdeiros de Trotsky, continuam alegando que “A Frente Popular não funcionou” ou que alianças entre a classe trabalhadora e outros movimentos populares são uma estratégia “stalinista” que “só leva ao desastre.” Mesmo alguns comunistas de outros países decidiram que seguir sozinhos é um caminho melhor para o movimento trabalhista do que se aliar a outras forças democráticas. Apontam para desvios históricos como o eurocomunismo ou Mikhail Gorbachev na URSS para justificar o descarte de toda a experiência estratégica e sabedoria acumulada pelo movimento comunista mundial — não apenas desde Dimitrov, mas até mesmo desde Lênin.

É verdade, sem dúvida, que a Frente Popular de hoje não é nem será idêntica à dos anos 1930. As formas precisam mudar e as táticas devem se adaptar conforme as circunstâncias mudam. As coalizões se formam, se reorganizam e às vezes se desfazem diante de desafios e objetivos específicos. Quanto mais forças envolvidas na frente, mais frágil é a base da unidade.

E, claro, é necessário revisar constantemente como a estratégia da Frente Popular está sendo aplicada e perseguida. Assim como Dimitrov incentivou os comunistas à autocrítica em 1935, as interpretações contemporâneas da Frente Popular também precisam ser examinadas. Como apontou recentemente o co-presidente do PC dos EUA, Joe Sims, por muito tempo o conceito de Frente Popular foi simplificado a tal ponto que resultou no desaparecimento quase completo dos comunistas como parte independente da frente:

“Por tempo demais, o trabalho eleitoral do partido tem consistido — embora com exceções em alguns distritos — em se unir a cada ciclo eleitoral ao movimento democrático mais amplo para derrotar candidatos da extrema-direita, mas sem apresentar candidaturas próprias. O que começou nos anos 1980 como um ajuste tático absolutamente correto se tornou uma política permanente, já com décadas de duração. Na prática, isso significou sacrificar nossa existência como força eleitoral independente e minimizar nossa postura como partido revolucionário da classe trabalhadora.”

“Embora continue sendo essencial derrotar candidatos da extrema-direita e atuar em amplos esforços de frente unida, isso não pode acontecer à custa de nos anularmos completamente — ou mesmo de apoiar, em certos momentos, outras candidaturas de esquerda. Também não devemos adotar estratégias que corram o risco de favorecer os republicanos do MAGA. Nossos objetivos principais devem sempre orientar nossas táticas eleitorais, mas parte desse objetivo principal deve ser construir o partido.”

Essa é uma reafirmação de um ponto já feito pelo próprio Dimitrov no 7º Congresso. “Lutamos pela frente unida não a partir de uma visão estreita de recrutar membros para o Partido Comunista, mas os Partidos Comunistas devem ampliar sua militância justamente com o propósito de consolidar seriamente a frente unida”, disse ele em seu famoso discurso.

A Frente Popular de hoje precisa de um Partido Comunista forte e em crescimento — junto com sindicatos de trabalhadores, associações de inquilinos, organizadores pela justiça climática, grupos feministas, queer e abolicionistas, movimentos liderados por pessoas negras, indígenas e racializadas, grupos de defesa dos direitos dos imigrantes, organizações pacifistas e anti-guerra, trabalhadores da cultura, educadores e pessoas comuns de todas as origens que estejam comprometidas em deter o trumpismo.

Construir uma Frente Popular não é diluir a política socialista; é construir uma aliança de luta capaz de defender a democracia que ainda temos — e depois expandi-la com poder organizado. E essa não é uma tarefa exclusiva do Partido Comunista; há muitos fora de suas fileiras que reconhecem a necessidade da política de coalizão e concordam sobre a importância de buscar sempre pontos firmes de unidade.

Este não é um momento para nos desviarmos da tarefa de construir a mais ampla unidade possível na ação — porque o fascismo não está vindo, ele já está à porta. A esquerda e o movimento trabalhista devem enfrentá-lo com tudo o que têm, e isso significa coalizão, não fragmentação. Estratégia, não sectarismo.

Noventa anos atrás, a Frente Popular ajudou a deter o fascismo e formou uma geração de resistência radical, que nem mesmo o macartismo antissindical e anticomunista conseguiu apagar. Agora enfrentamos a mesma responsabilidade. A Frente Popular não é uma relíquia histórica, mas um mapa do caminho — uma direção para fazermos o que precisa ser feito.

C.J. Atkins é editor-gerente do People’s World. É doutor em ciência política pela Universidade de York, em Toronto, com experiência em pesquisa e ensino nas áreas de economia política e nas ideias e políticas da esquerda americana.

Artigo traduzido do People’s World por Luciana Cristina Ruy

 


Fonte:  Rádio Peão Brasil - 05/08/2025

 

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