Aos 75 anos de vida, confesso que jamais imaginei testemunhar o que parece ser o limiar de uma Nova Ordem Mundial. Estamos vivendo, inegavelmente, um momento histórico de profunda reconfiguração, a marcante passagem da Era Moderna para a Era Pós-Moderna.
É impossível ignorar o fenômeno da China. O Partido Comunista Chinês (PCCh), com seu socialismo de características chinesas, tem apresentado ao mundo um modelo de desenvolvimento singular. A essência desse modelo, que se manifesta em um humanismo hegemônico — a priorização de um projeto social e de bem-estar coletivo na gestão estatal — sugere que o socialismo científico, adaptado e pragmático, pode ser o futuro da humanidade no planeta.
Este avanço, que não pode mais ser categoricamente negado, está intrinsecamente ligado à ascensão de novas alianças globais.
A emergência do bloco BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e seus novos membros) é o principal catalisador dessa mudança tectônica. O grupo desponta como o motor de uma nova governança global, prometendo acelerar a instauração de um mundo multilateral, fundamentado no respeito inegociável à soberania de todas as nações.
Essa transição se desenha como um processo intrinsecamente econômico, político e social, cujo diferencial reside na ausência de intervenção militar por parte de qualquer nação para sua consolidação. É a força da economia e da diplomacia que reescreve a geopolítica.
A dialética da estrutura e a emergência do humanismo sistêmico
É precisamente neste ponto de inflexão — onde o processo é intrínseca e simultaneamente econômico, político e social (o modelo estrutural) — que se revela a dialética crucial para a compreensão da ontogenia desta nova era.
O modelo de desenvolvimento da Era Moderna, pautado na competição e na acumulação individualista, gerou uma estrutura social em crise sistêmica (clima, desigualdade, conflitos). O movimento multilateral, liderado pelo BRICS, não é apenas uma reengenharia econômica; ele é a antitensão que exige uma nova ética para se sustentar.
É aqui que surge, de forma dialógica e consequencial, o Humanismo Sistêmico.
- O Estrutural (Tese): a busca por um mundo multilateral e respeitoso à soberania exige o abandono da lógica hegemônica de “vencedor e perdedor”. O sucesso econômico de um grupo de nações deve, necessariamente, depender da estabilidade e prosperidade do sistema global como um todo.
- O Dialogal (Antítese/Processo): esse imperativo estrutural de interdependência força uma mudança de consciência. A velha visão de Humanismo Hegemônico (como a priorização de uma única civilização ou modelo de vida) deve evoluir para um Humanismo Sistêmico, no qual o ser humano é visto não como o centro isolado, mas como um nó fundamental e responsável em uma teia interligada de sistemas (ecológicos, sociais, culturais).
- A Síntese (Emergência Dialógica): O Humanismo Sistêmico é a nova filosofia que valida a estrutura multilateral. Ele compreende que o respeito à soberania (política) e a distribuição equitativa de riqueza (econômica) são condições de autopoiese — a capacidade de o sistema global se autorregenerar, na linguagem de Maturana. O sistema, ao se tornar multilateral, fomenta o humanismo sistêmico. O humanismo sistêmico, por sua vez, orienta a estrutura multilateral. Eles se constituem mutuamente, em uma dialógica de ação e reflexão (como postulava Morin).
O socialismo de características chinesas, ao colocar o bem-estar coletivo (um humanismo inicial) como base de sua superestrutura, antecipou essa necessidade. O BRICS, ao defender a soberania (respeito pelo “outro” sistema) globalmente, institucionaliza esse humanismo em escala planetária.
A aceleração do tempo histórico
Caros leitores e cidadãos do mundo, a mensagem é urgente: percebam! Estamos em um turbilhão de eventos que transcende a rotina diária.
A nova realidade não é um sonho; ela começou a colapsar sobre a antiga. É crucial prestar atenção para não perder a maravilha desta oportunidade histórica.
Aqui, cabe uma reflexão que remete à dialética do tempo. O tempo histórico, a grande engrenagem das transformações sociais e civilizacionais, é notoriamente mais lento que nosso tempo de vida individual. Contudo, a História nos ensina que há momentos de súbita e dramática aceleração.
Algo que, em condições normais, levaria uma década, pode se concretizar em uma fração desse tempo. Tudo indica que estamos exatamente nesse processo de aceleramento histórico. A velocidade com que a Nova Ordem se manifesta é a prova viva dessa aceleração.
Um aviso do Pantanal: cuidado com a “Onça Acuada”
No entanto, a euforia do novo tempo exige cautela. Recorro a uma antiga sabedoria popular de meu estado, no Pantanal:
“Uma ‘onça’ acuada, antes de sucumbir, finge-se de morta. Quando o algoz se aproxima, em seu último esforço e em um urro gutural, ela desfere uma só patada, arrebatando tudo o que está à sua volta, inclusive seus algozes.”
Esta metáfora serve como um alerta cristalino: as potências hegemônicas da Era Moderna, aquelas que veem seu poder lentamente esvair-se, podem reagir com um ímpeto de desespero e violência. É o risco da última e perigosa cartada do velho sistema. A vigilância é, portanto, indispensável.
O futuro não bate à porta com suavidade; ele irrompe com a força de um colapso criativo. O começo dessa nova realidade já se estabeleceu.
Quem viver, verá. E quem percebe, já está vivendo.