Temos que evoluir. Temos que superar Robert Owen. A fórmula “8+8+8” — oito horas de trabalho, oito horas de descanso e oito horas de lazer — já não garante dignidade nos tempos atuais. Essa regra, originada no movimento operário do século XIX e consolidada ao longo do século XX, foi um avanço histórico, mas hoje precisa ser superada.
A luta pela redução da jornada acompanha toda a história do movimento sindical. Como lembra o DIEESE em sua Nota Técnica nº 286 (setembro de 2025), o tempo de trabalho — em sua extensão, distribuição e intensidade — sempre foi objeto de disputa entre capital e trabalho. No fundo, trata-se da luta pelo direito ao tempo livre, à saúde e à dignidade.
No Brasil, ainda vivemos sob jornadas extensas. Segundo a RAIS de 2023, mais de 35 milhões de trabalhadores foram contratados para jornadas acima de 40 horas semanais, o que representa 74% dos homens e 56% das mulheres com emprego formal. Além disso, a chamada escala 6×1, não prevista em lei mas amplamente praticada, condena milhões a trabalhar seis dias seguidos para descansar apenas um. Essa rotina compromete a saúde, o convívio social e familiar e aumenta o risco de adoecimento físico e mental.
As consequências são graves: estudo conjunto da OIT e da OMS aponta que 745 mil pessoas morreram em 2016 por doenças associadas a longas jornadas, como AVC e problemas cardíacos. Em nível global, um terço dos trabalhadores cumpre mais de 48 horas semanais, enquanto outros sofrem com subocupação e jornadas parciais forçadas.
O exemplo da categoria Eletricitária
Nós, Eletricitários, sabemos o peso das jornadas intensas. Nosso setor exige atenção, preparo técnico e segurança permanente. Um trabalhador exausto não compromete apenas a própria saúde, mas também a segurança da rede elétrica e da população.
Por isso, no Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, não ficamos apenas no discurso: implantamos a jornada 4×3 para nossa equipe administrativa. Agora, cada trabalhador do Sindicato tem três dias de descanso por semana. Os resultados já são concretos: redução do absenteísmo, mais motivação, melhora da saúde e da qualidade de vida. É a prova de que produtividade e valorização da vida podem andar juntas.
Nosso próximo passo é buscar essa conquista para toda a categoria. É plenamente possível aplicar o modelo 4×3 em áreas administrativas e, de forma imediata, adotar escalas com home office, ampliando a qualidade de vida sem reduzir a eficiência.
Experiências internacionais e a pauta no Congresso
Não estamos sozinhos nessa luta. Diversos países já avançaram:
- Bélgica (2022): direito à semana de quatro dias sem perda salarial.
- Chile (2023): redução legal de 45 para 40 horas semanais.
- Reino Unido (2022): maior teste global, com 61 empresas e 3.300 trabalhadores, resultando em queda do estresse, melhora da saúde mental e aumento da produtividade.
- Portugal (2023): projeto-piloto de quatro dias, baseado no modelo “100:80:100” (100% do salário, 80% da jornada, 100% da produtividade).
No Brasil, também há avanços. Hoje tramitam no Congresso propostas de emenda constitucional e projetos de lei que reduzem a jornada para 36 ou 40 horas semanais, sem perda de salário. A PEC 08/2025, por exemplo, prevê a adoção da escala 4×3 em todo o país.
Não é custo, é justiça
O empresariado insiste no velho argumento de que reduzir a jornada eleva custos e prejudica a competitividade. Mas os dados mostram o contrário.
Segundo a OIT, o custo médio do trabalho por hora no Brasil é de apenas US$ 2,9, um dos mais baixos do mundo — bem abaixo de países como Chile (US$ 4,7), Portugal (US$ 10,1) e muito distante da Suíça (US$ 67,8). Há ampla margem para avançar sem comprometer a economia.
Além disso, o DIEESE lembra que a redução da jornada pode favorecer uma melhor distribuição dos empregos, combatendo o quadro atual de 6,2 milhões de desempregados e 4,6 milhões de subocupados por insuficiência de horas (PNAD Contínua/2025).
Uma luta histórica e atual
Não é porque já temos semanas de até 35 horas em nossa base que deixaremos de nos engajar nessa luta. A categoria Eletricitária, historicamente mobilizada, não pode ficar de fora dessa batalha.
Reduzir a jornada é garantir mais tempo de vida, saúde, segurança e dignidade. É também abrir espaço para novos postos de trabalho e modernizar as relações laborais no Setor Elétrico.
Nós, do STIEESP, reafirmamos nosso compromisso: não apenas defenderemos, no Congresso, nas negociações coletivas e nas ruas, a redução da jornada de trabalho, como também continuaremos dando o exemplo prático de que trabalhar menos horas, com o mesmo salário, é possível e necessário.
Um futuro com mais qualidade de vida
A luta por mais tempo livre não é privilégio: é necessidade da classe trabalhadora. É bandeira histórica do movimento sindical e condição para garantir saúde, dignidade e vida plena.
Para nós, Eletricitários, significa ter energia para trabalhar com segurança, conviver com nossas famílias e seguir firmes na luta coletiva. Reduzir a jornada é enfrentar a exploração e afirmar que o futuro pertence a quem produz a riqueza deste País: a classe trabalhadora.