Artigo - STF, Direitos e Democracia

Causa espanto — e tristeza — ver um ministro do (STF) Supremo Tribunal Federal vocalizar com tanto entusiasmo os mantras do discurso empresarial. A entrevista do ministro Luís Roberto Barroso, publicada na Folha de S. Paulo em 3 de julho, é recebida com alegria pelas elites econômicas e com desalento pelos que lutam diariamente para proteger os direitos duramente conquistados dos trabalhadores brasileiros.

Ao afirmar que “excesso de proteção desprotege o trabalhador”, Barroso distorce o espírito da Constituição Federal de 1988, que buscou exatamente garantir um mínimo civilizatório diante de um mercado de trabalho historicamente marcado pela desigualdade, informalidade e violação de direitos. Mercado de trabalho onde a herança dos quatro séculos de escravidão segue presente na superexploração renovada dos trabalhadores.

O suposto “empreendedorismo” das novas gerações, celebrado por Barroso, não é uma realidade inédita: a livre iniciativa já está inscrita no texto constitucional desde 1988. O que se observa hoje no trabalho por Aplicativo é a romantização do autoemprego precário, alimentado por discursos individualistas e pelas redes sociais, onde o “self made man” se torna a fantasia que mascara a irresponsabilidade empresarial, a ausência de proteção social, o medo da fome e a insegurança crônica.

Barroso também atribui a queda do desemprego à reforma trabalhista de 2017. Mas a realidade é outra: a retomada do emprego se deve ao ritmo da atividade econômica – consumo, produção, investimento e exportação – impulsionados pelas políticas do atual governo federal.

Os dados são evidentes, as menores taxas de desocupação da série histórica da PNAD-IBGE tinham sido verificadas em 2012, 2013 e 2014, antes, portanto, da reforma trabalhista de 2017.
Já em 2017, 2018 e 2019, com o PIB crescendo pífios 1,5% ao ano, as taxas de desocupação subiram para em torno de 12%. Com a pandemia em 2020 e 2021 bateu na casa dos 13% e 14%, recuando para um dígito apenas no fim de 2022 e 2023.

Desta forma, a taxa de desemprego só voltou a atingir a mínima histórica em 2024, com o PIB crescendo mais de 3% ao ano, impulsionados pela retomada da política de valorização do salário-mínimo, a ampliação do Bolsa Família, o aumento dos investimentos públicos e privados com o Novo PAC, a retomada do Minha Casa, Minha Vida, a ampliação do Plano Safra, o Programa Nova Indústria Brasil e a expansão do financiamento do BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.

E a contribuição da reforma trabalhista? Mais jornadas exaustivas, mais acidentes e doenças do trabalho, mais ocupações sem direitos, mais informalidade entre os ocupados e um crescimento da subutilização da força de trabalho — milhões que querem e precisam trabalhar mais, mas não encontram empregos dignos.

Quando Barroso observa que a figura do trabalhador celetista, metalúrgico, com jornada regular de oito horas, talvez não seja a dominante no mercado de trabalho, para não deixarmos os “achismos” distorcerem a realidade, é o preciso olhar os dados. De acordo com a PNAD-IBGE, dos 103,9 milhões de ocupados em todo Brasil, 4,2 milhões são empregadores e 72,2 milhões são trabalhadores empregados, sendo 53,5 milhões no setor privado e 13,0 milhões no setor público. Outros(as) 5,5 milhões são trabalhadores(as) domésticos(as) e 1,2 milhão trabalhadores familiares.

Já os chamados trabalhadores por conta própria são 26,2 milhões.

Portanto, não há como ignorar que o trabalho assalariado é predominante, são 72,2 milhões de trabalhadores empregados, sendo 64,8 milhões com emprego formal (com carteira assinada, funcionários públicos estatutários e militares) e outros 21,3 milhões de trabalhadores empregados sem carteira, com direitos trabalhistas e previdenciários sonegados pelos seus empregadores.

Além disso, não deveríamos ignorar também que o projeto de sociedade baseado na igualdade e na solidariedade almejado pela Constituição de 1988, é justamente aquele em que todos possam ter acesso a um trabalho decente, salário e jornada dignos, com garantia de sustento das famílias e proteção social. Não queremos que todos sejam metalúrgicos — queremos que todos sejam trabalhadores protegidos: com férias, 13º salário, descanso semanal remunerado, seguro-desemprego e dignidade profissional. Isso não é passado — é o pacto civilizatório constitucional.
Barroso, que acertadamente já defendeu a responsabilização das redes sociais por conteúdos criminosos nelas veiculados, parece reconhecer que a tecnologia não deve servir de escudo para isentar condutas ilícitas.

Paradoxalmente, são os sindicatos e as instituições trabalhistas que continuam na linha de frente da defesa das instituições democráticas e do próprio Supremo.

Se há algo que desprotege o trabalhador, não é o “excesso de proteção”. É o excesso de prestígio concedido às empresas de Aplicativos, à retórica da flexibilização e à erosão dos direitos sociais em nome de uma suposta modernidade.

A Luta Faz Lei! E no caso citado, é preciso luta e vontade de todos na construção de uma sociedade mais justa!


Miguel Torres
presidente da Força Sindical e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes e da CNTM (Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos)

 

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