Artigo - Queda no desemprego só é ruim para a economia num mundo invertido

O mercado de trabalho brasileiro vem demonstrando avanços, puxado pelos investimentos e pelo mercado interno. Atualmente, a taxa de desocupação gira em torno de 7%, mas registrou 6,2% no final de 2024, antes do impacto da política monetária mais restritiva. A renda do trabalho também apresenta recuperação.

No entanto, esse cenário positivo tem sido interpretado por alguns setores econômicos como um problema, com base na premissa de que um mercado de trabalho aquecido pressiona os salários, o que poderia elevar os custos para as empresas e ser repassado aos preços, gerando inflação. Essa visão não considera a possibilidade de aumentar a capacidade instalada ou elevar a produtividade por meio de inovação e investimento. Aliás, a capacidade instalada, segundo a CNI, está em 78,9% (março de 2025), abaixo da média histórica da própria instituição, havendo portanto espaço para atender à demanda e tempo para investimentos que ampliem essa capacidade.

Mas, considerando que a relação entre baixo desemprego e inflação seja verdadeira, é necessário avançar na compreensão da diversidade do mercado de trabalho.

O Brasil possui profundas desigualdades regionais, raciais, de idade e de gênero. Em 2024, por exemplo, a taxa de desocupação entre mulheres negras foi de 9,3%, no Nordeste, chegou a 8,6%. Elevar a taxa de desemprego como forma de “controlar” a inflação significa dizer que essas populações irão pagar um preço maior, de novo.

Além disso, em um mercado de trabalho heterogêneo e precário como o brasileiro, o indicador mais adequado para avaliar a real demanda por trabalho é a taxa de subutilização da força de trabalho que, apesar da redução recente, ainda registra 15,2% de média nacional e 25,5% no Nordeste. Esse dado inclui desempregados, subocupados e a força de trabalho potencial, como os desalentados.

Diferente dos países desenvolvidos, onde a taxa de desemprego é um parâmetro mais direto da situação do mercado de trabalho, no Brasil essa taxa é insuficiente para captar a complexidade do mundo do trabalho. O elevado índice de subutilização da força de trabalho indica que uma parcela significativa da população está sendo aproveitada com menos intensidade do que sua real capacidade permite, inclusive impedindo aumentos mais expressivos de salários.

A recuperação recente dos salários acaba refletindo esta questão: o salário médio atual ainda não garante uma vida digna, como demonstra o cálculo do DIEESE sobre o salário mínimo necessário para sustentar uma família, mesmo com duas pessoas trabalhando. Dessa forma, há ainda um longo caminho a percorrer até que essa situação possa ser um “problema”.

O que está em debate são diferentes visões de mundo: um lado reveste a discussão de um tecnicismo que esconde a defesa de interesses próprios. E outro prega que o desenvolvimento deve ser sinônimo de melhoria material, com bons empregos e salários. Vamos simplificar a discussão e impedir que as pessoas tenham uma vida digna? É possível pensar um modelo no qual gerar bons empregos com bons salários para todos e todas possa ser uma boa ideia!


Adriana Marcolino
é diretora técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Socióloga, é mestre em sociologia do trabalho no programa de pós-graduação em sociologia da USP e doutoranda no programa de pós-graduação em Sociologia da USP.

 

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