Individualismo, competição desenfreada e desigualdade. Essas são só algumas consequências da nova política de gratificações individuais adotada pela Embraer, em São José dos Campos. A direção da empresa passou a oferecer o bônus, chamado Lump Sum, a alguns trabalhadores, sem explicar os critérios adotados para o pagamento.
As gratificações individuais variam de R$ 2 mil a R$ 4 mil. Apesar de atrativas, não são oferecidas a todos, o que causa disputas na fábrica e piora o ambiente laboral.
A estratégia da Embraer é a mesma utilizada em relação ao vale-compras, que é oferecido apenas a alguns trabalhadores. Na última Campanha Salarial, o Sindicato reivindicou, ao lado dos metalúrgicos, o vale de R$ 800 para todos. Porém, a empresa ofereceu apenas R$ 300, e somente para quem recebe até R$ 7.500. Isso representa só 40% do total de funcionários da fábrica.
O Sindicato defende que os trabalhadores deem uma resposta coletiva à prática desigual adotada pela Embraer. Para a entidade, a empresa deveria premiar todos os trabalhadores, de maneira igualitária. Isso pode ser feito por meio de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) condizente com o porte da empresa e com sua lucratividade. Neste mês, por exemplo, a empresa anunciou duas importantes vendas, que, somadas, chegam a 5,6 bilhões de dólares.
No entanto, a PLR da Embraer é muito baixa. O valor não chega a um salário nominal e varia de funcionário para funcionário. Fábricas de porte menor, muitas vezes, têm PLR superior ao da fabricante de aviões. Além disso, há anos a Embraer não negocia a PLR com o Sindicato, o que impede que o valor seja discutido pelos trabalhadores em assembleia.
“A nossa resposta precisa vir com mobilização e união. É imprescindível que paremos de pensar individualmente. A Embraer age para nos confundir, mas tem objetivos muito evidentes de nos moldar conforme o que considera ser o trabalhador ideal: aquele que não questiona e que gera lucros altos para a fábrica”, afirma o diretor do Sindicato André Luis Gonçalves, o Alemão.
Concorrência prejudica a saúde e corta postos de trabalho
Para Luci Praun, docente da Universidade Federal do Acre (Ufac), pós-doutora em Sociologia e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses da Unicamp, a prática de gratificação individualizada em empresas tem efeitos diretos na saúde do trabalhador e no número de postos de trabalho.
Luci explica que, além de perder o senso de solidariedade e companheirismo, o operário que se depara com tal política tende a se esforçar até o esgotamento físico ou mental.
“Ao minar o senso se coletividade, essa prática mina também a capacidade de resistência, porque tudo se resume ao individual. Inclusive embasa uma ilusão de que, sendo um trabalhador produtivo, que consegue atingir as metas sempre, é melhor que o colega e vai ter algum privilégio se resolver alguma demanda de trabalho. Quando esses trabalhadores se engajam completamente nesse processo, adoecem rapidamente e deixam de ser interessantes para a empresa. Adoecidos, vão entrar na lista de demissão”, afirma Luci.
A pesquisadora também explica a crítica a sistemas de bonificação associados ao cumprimento de metas e avaliação de desempenho, comumente usados pelas empresas como mecanismo de desmobilização dos trabalhadores para pautas coletivas.
“O trabalhador deixa de lutar por um salário melhor e desloca toda a mobilização para essa parcela flexível do salário. Isso requer toda uma campanha de conscientização dos trabalhadores, de que a gente tem de impor limites em acordos de PLR e gratificações do ponto de vista das metas de produtividade progressivas e impossíveis de serem alcançadas”, conclui Luci.