Depois de passar 2015 zerada, a região de Presidente Prudente voltou a ter denúncias de trabalho escravo neste ano. Já foram quatro processos instaurados, conforme dados do Ministério Público do Trabalho (MPT). O número de ações trabalhistas instauradas pelo MPT chega a 176 nos primeiros quatro meses de 2016 (soma até o dia 26 de abril). O total corresponde a 24% dos dados no ano passado, com 731 inquéritos.
Dois casos, que estão em fase de investigação e ainda sem conclusão, reclamam de problemas em áreas de construção civil, cujas ações foram protocoladas em Presidente Prudente. Conforme situado em uma das apreciações prévias disponibilizadas pelo MPT ao G1, entre as irregularidades que devem ser apuradas, estão: alojamento sem cama, onde possui apenas colchões levados pelos próprios trabalhadores; pagamento feito em parcelas; não recebimento de vale-alimentação e cesta básica; e jornada superior a 12 horas, havendo funcionários que “trabalham 25 a 27 horas direto”.
Já na segunda apreciação, as “condições degradantes” narradas são: alojamentos precários, jornadas extenuantes e ausência de banheiro nos locais de trabalho. O denunciante relata que foi admitido em 2013 e dispensado no ano seguinte.
Outro caso é relacionado a uma usina de cana-de-açúcar em Flórida Paulista, denunciado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município como “escravidão total”. Em março, o G1 conversou com trabalhadores que relataram más condições de serviço. Além disso, os trabalhadores, naturais do Nordeste do país, precisaram voltar à região de origem no prejuízo.
Na ocasião, a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flórida Paulista, Roseli Carlos de Melo Esposo, relatou que havia 200 trabalhadores acampados, que dormiam no chão e não tinham água sequer para o banho. Também era escassa a alimentação, já que “estavam comendo apenas pão seco”, conforme destacou a responsável pelo sindicato.
Já o quarto inquérito era contra uma loja de carros e dizia respeito a um possível trabalho escravo por jornada abusiva e condições degradantes, no entanto, “foi arquivado por falta de interesses tuteláveis do MPT”, conforme informou o Ministério Público do Trabalho ao G1.
Linha tênue
Cada vez que há uma denúncia de possível trabalho escravo é preciso muito cuidado, para que, caso não prossiga, a empresa não sofra danos, conforme explicou o procurador do Trabalho Cristiano Lourenço Rodrigues. “O inquérito existe para que o procurador busque elementos que comprovem a denúncia, pois, às vezes, há exageros ou a denúncia pode ser falsa”, disse. “Nós vamos ao local com auditores do trabalho, colhemos depoimentos, fotografamos, fazemos filmagens, porque todos os elementos são levados para convencer o juiz”.
Na teoria, o Código Penal guia as condutas do Ministério Público e suas ações e na classificação de trabalho escravo ou trabalho degradante. “A gente tem parâmetros normativos no artigo 149 do Código Penal. Esse tipo diz que jornadas excessivas e condições degradantes caracterizam trabalho escravo, além da restrição do direito de ir e vir”, comentou o procurador. Porém, “na prática, a linha é ainda mais tênue e mais difícil". "Por mais objetivo que é, acaba tendo uma dose de subjetivismo na análise da situação”, explicou.
Quando se fala em trabalho escravo, há quem imagine um cenário envolvendo pessoas acorrentadas, mas não é assim, de acordo com a explicação do procurador ao G1. “Pode haver extremas condições degradantes, ter muita sujeira, ter alimentação estragada, salário atrasado, ausência de equipamentos de proteção, perseguição, assédio moral, que já houve na região, fazer ameaças, não cumprir promessas, são várias questões. Condições absurdamente degradantes”, destacou.
Em alguns casos, se houver flagrante, auditores do trabalho podem fazer o resgate dos trabalhadores que estão em condições muito precárias. “Esse poder de resgate é só do Ministério do Trabalho e Previdência Social. O que nós pedimos são o afastamento do trabalhador e a interdição daquele local denunciado”, colocou o procurador.
Outras temáticas
Segundo levantamento do MPT, até 26 de abril de 2016 foram 176 processos instaurados, divididos em temáticas: meio ambiente do trabalho (37), trabalho escravo (4), fraudes trabalhistas (9), trabalho na administração pública (17), discriminação e assédio (11), trabalho infantil (10), liberdade sindical (10) e temas gerais, como salário, registro e jornada de trabalho (78).
No ano passado, o Ministério Público do Trabalho instaurou 731 processos: meio ambiente do trabalho (174), trabalho escravo (0), fraudes trabalhistas (35), trabalho na administração pública (40), discriminação e assédio (120), trabalho infantil (33), liberdade sindical (32) e temas gerais, como salário, registro e jornada de trabalho (297).