Artigo - O trabalho doméstico e de cuidados não remunerados

No dia 11 de agosto de 2023 o IBGE divulgou a PNADC anual sobre “Outras formas de trabalho”. Essa pesquisa coleta dados sobre os afazeres domésticos e de cuidados, produção para o próprio consumo e trabalho voluntário A sua divulgação estava sendo aguardada com muita expectativa porque seria a primeira depois da COVID19, a última foi em 2019.

Devido à pandemia da COVID-19, esse tema não foi investigado nos anos de 2020 e 2021, retornando a campo em 2022. E para surpresa de alguns, mas não de todas, os resultados praticamente não se alteraram nestes últimos três anos.

Segundo dados de 2019, as mulheres realizavam mais horas de trabalho doméstico e/ou cuidados que homens em todas as faixas de renda domiciliar e em raça/cor, homens realizavam em média 11h por semana, enquanto que para mulheres a quantidade de horas variava de acordo com a faixa de renda domiciliar, observa-se que as mulheres tanto nas faixas mais baixas de renda domiciliar quanto nos níveis de escolaridade mais baixos despendem mais horas de afazeres e/ou cuidados em relação às mulheres com maior escolaridade ou nas faixas de renda mais altas.

A diferença entre mulheres de faixa de renda domiciliar de até meio salário mínimo para mais de cinco salário mínimo chegava em até 8h por semana, independente da raça/cor; e, entre os níveis de escolaridade, mulheres sem instrução/fundamental incompleto realizam em média 23h na semana, já as mulheres com superior completo, realizam em média 18h.

Os dados para 2022 indicam que as mulheres seguem realizando em torno de 21,3h por semana e, entre os homens, chega a 11,7h, a diferença é de 9,6h e apresenta uma leve queda na comparação com 2019, cuja diferença era de 10,6h.

As mulheres negras dedicam em torno de 22,0h, enquanto que entre as mulheres brancas a jornada média semanal é de 20,4h, já entre os homens (brancos e negros) praticamente não há diferença, 11,7h. A jornada do trabalho doméstico e de cuidados é maior entre as mulheres fora da força de trabalho, 23,9h e 25,0h para brancas e negras, respectivamente.

A situação no domicílio também é determinante, entre os domicílios com até ½ salários por pessoa as mulheres brancas e negras dedicam 24,7h e 24,9h, respectivamente. Quando a renda per capita domiciliar é mais de 5 salários mínimos, cai para 14,5h e 16,9h, respectivamente para brancas e negras. Os efeitos da escolaridade são maiores entre as mulheres do que entre os homens, entre as mulheres a diferença é superior a 5h semanais, já entre os homens a escolaridade praticamente não altera o número de horas dedicadas ao trabalho doméstico e de cuidados. Além disso, as mulheres responsáveis pelo domicílio dedicam mais de 10 horas semanais, na comparação com os homens responsáveis pelo domicílio.

Medir o tempo do trabalho remunerado e não remunerado é o primeiro passo para o reconhecimento do trabalho realizado no âmbito doméstico como essencial para a reprodução da vida humana e para a própria sustentação das atividades de mercado e, com isso ampliar, o debate na sociedade sobre a necessidade do compartilhamento das tarefas de cuidado. Um dos grandes obstáculos enfrentado pelas mulheres para se inserir e permanecer no mercado de trabalho diz respeito à forma como se processa a divisão sexual do trabalho no âmbito da esfera da reprodução.

Desta forma, explicita-se a conveniência para o capital, do trabalho não remunerado realizado pelas mulheres no espaço dos domicílios. Ao assu¬mir integralmente a responsabilidade pela reprodução social as mulheres são compelidas a se inserir nas ocupações tradicionais e com elevado grau de segregação por sexo que, por sua vez, está associado à criação e perpetuação de desigualdades dentro e fora do mercado de trabalho. Além disso, é uti¬lizado para justificar a baixa taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho.

Os momentos de crise acentuam esses diferenciais de forma desfavorável às mulheres, tinha-se uma expectativa no início da crise sanitária de que a visibilidade conferida a enorme carga de trabalho realizada pelas mulheres promoveria uma mudança cultural, contudo, passados mais de três anos e a visibilidade não se transformou em reconhecimento social, nem tampouco suscitou mudanças na formulação de políticas públicas, e isso porque uma parcela expressiva da sociedade continua se beneficiando da mão invisível dos cuidados.


Marilane Oliveira Teixeira
Economista, doutora em desenvolvimento econômico e social, professora e pesquisadora do CESIT-IE da UNICAMP E professora colaboradora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais do IFCH, membra da Rede Brasileira de Economia Feminista – REBEF e assessora sindical

 

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